
Muitas pessoas chegam até o portal e comentam sobre seus medos… uma grande parte delas, compartilham a respeito do medo de escuro, medo da floresta, medo da noite e do silêncio.
Racionalmente sabemos que quando a pessoa tá no escuro, tudo a sua volta continua praticamente igual, exceto pela ausência de luz.
Porém, a um nível psíquico, tudo se torna diferente, o fato de não enxergar no escuro pode ativar a sensação de medo. Mas muito mais do que medo do escuro propriamente dito, podemos refletir a respeito do medo de perder o controle. O medo, seria mais da falta de controle do que do escuro. Quando tiramos a visão, que nos deixa cientes do que acontece ao nosso redor, a mente busca formas de preencher esse espaço que a visão ocupava mas, já insegura, pode criar um imaginário assustador. Coisas que podem estar dentro da pessoa podem surgir e vir à tona. Inclusive suas crenças sociais, e religiosas, que, se foram construídas a partir de uma cultura de medo, inverdades e castigo, tendem a reforçar ainda mais a construção do terror e até pânico.
A curiosidade pode vir como um antídoto nessas situações. Pois ela pode abrir uma porta, uma brecha, para a investigação e o entendimento mais profundo de determinada experiência. Com perguntas-gatilhos como: “por que estou com medo?”, “de onde isso está vindo?”, “o que está por trás dessas sensações?”, "o que vai mudar se eu acender a luz?".. não é nada externo, o escuro nos convida a olhar para o nosso interior, pra sair da superfície. Quando a pessoa vai além do vórtice de reação mental e começa a se conectar novamente com a presença e a realidade dos fatos, abre-se espaço para adentrar em um outro nível da consciência que dissipa da sensação do medo e aumenta a percepção da realidade e a autoconfiança.
Nossa sociedade em geral criminaliza, inferioriza e coloca como negativo ou algo ruim, o preto, o escuro. Isso repercute desde a parte social, onde as pessoas de raças escuras são marginalizadas até em símbolos e conceitos religiosos e espirituais, por exemplo no yin e yang, símbolo da filosofia chinesa que representa o equilíbrio das polaridades, o preto simboliza o negativo, o feminino, a sombra, a ignorância e o inconsciente; e o branco simboliza o positivo, masculino, a luz, a inteligência e a consciência.
Hoje em dia, sabemos que estamos inseridos em uma cultura que a energia masculina é exacerbada e idolatrada, o patriarcado, onde assuntos, coisas e pessoas relacionadas à energia feminina, são tidos como secundários ou inferiores. Vemos também a imagem de um Deus retratado como o masculino e branco, vestes brancas e luz. E tudo o que não tem conotação sagrada, ou seja, o profano, é escuro.
Porém, em todo o universo, e observando a natureza em nossa volta com um pouco de atenção, é simples constatar o equilíbrio se dá, pelo balanceamento das duas polaridades, tendo o claro e o escuro igual valor para tal. Não existe um julgamento na natureza de qual é melhor, ambas são importantes. Inclusive, podemos refletir sobre o fato de que só podemos receber a luz externa em nosso corpo, e todas as imagens e cores que se criam pela projeção dela, através de uma parte que é escura em todos nós, independente de raça, etnia, ou qualquer outra coisa, que é o preto da nossa íris. Ou seja, o preto é receptivo e absorve a luz, enquanto o branco repele e reflete a luz. O preto interioriza a luz, enquanto o branco a exterioriza.
Então em uma cultura que vem, ao longo de um tempo, colocando o escuro como inferior, ou mau, devemos questionar a respeito desses estigmas que nos traz medos e repulsas do escuro, do preto, da noite e com essa consciência, criar pontos de aproximação e diálogos mais empáticos àquilo que em um nível superficial de fenômenos aparentes, pode se apresentar como o oposto a quem somos, à nossas ideias, crenças e percepções. Construindo pontes ao invés de muros, cooperação ao invés de dominação, menos julgamento e mais aceitação e respeito. Tanto a nível pessoal e individual (e tudo começando por aí), até o nível de relação com o outro e com o meio ambiente à nossa volta.
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